A revisão textual: invisível e indispensável
Um dos trabalhos de bastidor mais relevantes na literatura é a revisão textual, nosso assunto de hoje. Também trataremos do romance "A imensidão íntima dos carneiros", de Marcelo Maluf (2015).
Olá!
Esta é a terceira edição da newsletter do projeto Praça Clóvis — um mapeamento crítico da literatura brasileira contemporânea.
Na edição de hoje, vamos abordar a revisão textual, isto é, como é feita a preparação e a revisão das resenhas elaboradas para o site.
Compartilharemos a experiência da Gislene Maria Barral, uma das pessoas à frente da equipe de revisão. Cada resenha elaborada pelos colaboradores é rigorosamente revisada, tanto em relação ao conteúdo quanto aos aspectos mais relacionados à padronização e à língua portuguesa.
E falando em revisão, vamos abordar um romance de 2015: A imensidão íntima dos carneiros, do gaúcho Marcelo Maluf, a partir da resenha da pesquisadora e revisora Gislene Maria Barral.
O projeto Praça Clóvis prevê a construção de um site com resenhas críticas de romances de 1970 aos dias atuais. Como o site está em construção, esta newsletter conta um pouco de nossos bastidores.
Se você trabalha com livros, dá aulas ou gosta de ler, este projeto é feito para você.
Agradecemos a sua leitura!
Ilustração de Manuela Dib para a resenha sobre A imensidão íntima dos carneiros.
Padronizar e revisar: desafios do projeto
Que a revisão textual é importante, já é de conhecimento público, mas imaginem em um universo de 200 resenhas? O Praça Clóvis será um site de mapeamento, no qual serão publicadas resenhas críticas de livros dos anos de 1970 aos dias atuais. Assim, a quantidade de resenhas recebidas é alta. Para que o processo de revisão funcione com harmonia, foi criado um fluxo editorial, além de padronizações. Assim, duas equipes trabalham juntas: uma de preparação textual e outra de revisão textual.
A preparação textual é uma etapa em que se analisam questões de conteúdo da resenha e mais interferências podem ser feitas, com pedidos de reelaboração, inclusive.
Já a revisão textual é mais pontual em relação aos aspectos gramaticais e textuais, incluindo também a padronização de acordo com as normas da ABNT.
Após essas etapas, o resenhista recebe uma devolutiva com três status possíveis: resenha aprovada, resenha com ajustes e resenha reprovada. Como existe um modelo de resenha, a conformidade com os critérios estabelecidos para a publicação das resenhas tem sido obedecida.
É preciso destacarmos o papel de Gislene Maria Barral na criação desses critérios e no estabelecimento de uma resenha crítica padrão, junto com o restante da equipe.
A resenha crítica não descreve apenas características da obra; ela deve criticar e se apoiar em argumentos por meio da análise textual. Isso não é feito por uma série de citações de trechos nem de resumo, mas de uma construção textual original.
Depoimento
"A elaboração e a revisão das resenhas são etapas que antecedem sua publicação no Praça Clóvis. Com a lista de obras literárias da pesquisa em mãos, os resenhistas definem aquelas sobre as quais irão escrever.
A elaboração inclui a leitura e análise das obras e a escrita das resenhas. A revisão compreende a leitura crítica e especializada, a correção de desvios gramaticais e ajustes para que o texto final seja coeso, preciso e de alta qualidade, sem perder, contudo, o estilo e a apreciação crítica de cada autor. Quando necessário, os resenhistas revisitam seus textos, ajustam conteúdo e estrutura e refinam suas análises.
Essas etapas são desenvolvidas seguindo critérios internos do projeto e normas de padronização e estilo. Os alinhamentos são feitos em reuniões do grupo — que incluem a participação de coordenadores, resenhistas e revisores — e em oficinas de capacitação. Para isso, criamos materiais norteadores, como modelos de resenha, guias de preparação e revisão de textos, formulários de checklist, palavras-chave e outros documentos de orientação."
— Gislene Maria Barral
Raízes familiares e imigração libanesa
Marcelo Maluf publicou o romance A imensidão íntima dos carneiros em 2015. Nascido em Santa Bárbara d’Oeste, São Paulo, resgata uma história que é a de sua família, mas também de grande parte dos herdeiros da diáspora libanesa por meio de uma “autobiografia fantástica”. A obra foi vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura em 2016.
Gislene Maria Barral, responsável por redigir o texto crítico sobre o romance ao site, apresentou o livro da seguinte forma em sua resenha.
“O romance — dividido em quatro partes, cada uma representando um elemento da natureza (o ar, O Vento; a terra, A Montanha; o fogo, O Fogo; e a água, O Oceano) — inicia-se introduzindo um medo hereditário que persegue o narrador/personagem e sua família desde 724 d.C., ano em que um ancestral seu foi morto pelos muçulmanos com 128 golpes de sabre apenas por ser cristão. Esse medo conduz a narrativa. Marcelo viveu sua infância durante o período da ditadura militar brasileira, na qual os generais assassinavam impunemente, e a guerra civil libanesa, que acontecia desde 1975 e que durou até a sua adolescência, em 1990. O narrador, que saiu ileso da opressão no Líbano, por causa da distância do país; e da ditadura brasileira, pela proteção da infância, tenta entender a origem desse medo e o impacto causado nos relacionamentos familiares ao longo das gerações e em si próprio.”
A transição entre os narradores Marcelo e Assad e a alternância do espaço narrativo são características apontadas na resenha, bem como a ideia de todas as vidas entrelaçadas em uma.
“A trama desenrola-se entre as montanhas do Líbano, na cidade de Zahle, na qual o avô Assaad Simão Maluf nasceu, e Santa Bárbara d' Oeste, São Paulo, cidade natal do narrador-personagem Marcelo e na qual ele fixou residência. Assaad veio do Líbano para o Brasil ainda menino, depois de viver uma tragédia na família em 1920. Utilizando recursos do realismo fantástico, o narrador busca recuperar a sua história e a de sua família, que se confundem com a história de muitos descendentes de libaneses. O estado de opressão, que é a causa do medo ancestral e hereditário, coincide com a época em que o avô é enviado ao Brasil, aos oito anos, fugindo do domínio turco-otomano.”
A resenha completa, acompanhada de referências e capas do romance, será publicada no site no final do ano.
Sobre esta edição
Esta foi a terceira edição da newsletter do Praça Clóvis, um mapeamento crítico da literatura brasileira contemporânea.
O nome "Praça Clóvis" busca marcar um espaço de circulação e convivência de ideias, além de ser uma homenagem à canção de Paulo Vanzolini. Assista nosso vídeo de apresentação do projeto.
Realização
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea (GELBC), da Universidade de Brasília (UnB), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Coordenação do projeto
Regina Dalcastagnè (UnB)
Créditos desta edição
Texto: Priscila Calado
Depoimento: Gislene Maria Barral
Ilustração: Manuela Dib
Revisão: Ana Rüsche, Leda Cláudia da Silva e Gislene Maria Barral
Brasília, 4 de setembro de 2024.
Como o trabalho de revisão é importante. Excelente matéria!
uma boa revisão é mesmo indispensável.